O processo do nascimento passou e ainda passa por transformações ao longo dos anos. Um evento que antes era de mulheres para mulheres, passou a ser medicalizado e controlado, com emprego de tecnologias após a entrada da figura do homem nesse cenário até então particularmente feminino. "Durante muito tempo, a situação de parto foi resolvida de modo caseiro com a atuação das mulheres da casa auxiliadas por uma parteira mais experiente. No século XX, os partos passaram por uma nova revolução quando as técnicas da cesariana avançaram de modo significativo. A aplicação de anestesias, os novos procedimentos de esterilização e o emprego da incisão baixa possibilitaram que partos antes considerados fatais fossem executados com grande êxito. No entanto, em meio a tantas benesses, existem equívocos históricos e culturais quando nos reportamos a essa forma de nascimento" e podemos verificar uma tendência ao exagero nas intervenções e utilização iatrogênica das novas práticas e tecnologias.
Além das mudanças ao longo do tempo, existem também diferenças devidas ao espaço, já que o parto e nascimento têm características próprias nas diferentes partes do mundo. Nascer no Brasil não se dá da mesma forma que nascer na Holanda, por exemplo. "Como escreveu o historiador francês Jacques Gélis, o nascimento não se restringe a um ato fisiológico, mas testemunha por uma sociedade, naquilo que ela tem de melhor e de pior."
A visão do parto como um evento cultural é recente. No final do século XIX o médico era a figura central na assistência o que resultou em uma crescente medicalização do parto por quase um século. "Do ponto de vista cultural, vemos que a popularização da cesariana nos últimos quarenta anos marginalizou outras formas de nascimento seguras e mais saudáveis. O medo de sentir dor ou não resistir ao trabalho de parto fez com que diversas mulheres e médicos transformassem esse processo natural em um simples procedimento técnico". Porém, de 40 anos para cá "profissionais de diferentes áreas, sobretudo pesquisadoras que incorporaram a reflexão feminista, trouxeram uma importante contribuição, não apenas na área acadêmica, mas também na da assistência [...] Nos últimos anos, pesquisas indicam que a opção pelo parto normal reduz o risco de uma série de complicações e produz um impacto psicológico positivo na mãe e na criança [...] Com isso, podemos ver que o processo de modernização dos procedimentos médicos não implica necessariamente no controle intenso dos processos fisiológicos naturais que envolvem tal situação. Não por acaso, vemos que diversos programas de saúde pública hoje incentivam a participação das tradicionais parteiras que, durante séculos, tiveram um papel fundamental para que várias vidas ganhassem o mundo. Enfim, a cesariana não pode ser mais vista como um avanço irrefutável da medicina".
Assim como o parto, o papel das parteiras também se modificou mundialmente diversas vezes ao longo da história e se mantém ainda hoje mutável.
No Brasil, temos as chamadas parteiras tradicionais, que passam seus conhecimentos de geração para geração e que são de suma importância, sobretudo em regiões muito afastadas onde a assistência de saúde não chega; temos também as enfermeiras obstétricas que possuem formação generalista em Enfermagem com especialização em Obstetrícia, e existem ainda as obstetrizes, com modelo de formação de entrada direta semelhante ao que se encontra nos Estados Unidos e em países da Europa.
"Diferentemente de alguns países que preservaram esses cursos, no Brasil verifica-se o seu fechamento ou absorção pelas escolas de enfermagem, o que resultou na gradativa substituição das antigas parteiras e obstetrizes por profissionais formados nos cursos de Enfermagem com especialização em Obstetrícia.
O tipo de formação profissional - de parteira/obstetriz ou de enfermeira obstétrica - tem sido apontado como um fator que influi diretamente na forma de assistência ao parto, sendo considerado menos medicalizado o parto realizado por parteira. Visando a um melhor atendimento às parturientes com a redução do número de intervenções cirúrgicas e medicamentosas desnecessárias, profissionais de diferentes áreas têm defendido a criação de cursos de Obstetrícia com exame de seleção e currículo próprios, para formação de parteira/obstetriz".
"Na Maternidade Port-Royal de Paris, no século XIX, conforme o trabalho de Scarlet Beauvalet-Boutouyrie, as parteiras-chefes continuaram tendo primazia. Contrariamente ao que ocorria na maioria dos hospitais e maternidades francesas e européias, onde os médicos eram empossados como chefes de maternidades, naquela instituição as parteiras mantiveram sua ascendência sobre os parteiros, controlando os partos e sendo responsáveis pela formação de parteiras. Ao longo do século, foram diretoras do estabelecimento e se firmaram como 'verdadeiros cirurgiões', fazendo operações e usando instrumentos, como o fórceps".
"No Japão, o processo também não foi simples nem linear. A leitura que Aya Homei faz da história das parteiras no século XIX destaca essa complexidade. As parteiras formadas e diplomadas por médicos se colocaram como agentes da medicalização e receberam apoio de diferentes grupos, entre eles as autoridades da higiene, interessadas na introdução dos princípios de assepsia no Japão".
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